Resenha: História da vida privada V.3

O livro "História da Vida Privada 3: Da Renascença ao Século das Luzes" é uma coletânea organizada por Roger Chartier, que aborda as transformações na vida privada durante um período crucial da história ocidental. A obra, parte de uma coleção dirigida por Philippe Ariès e Georges Duby, explora como as noções de intimidade e privacidade evoluíram entre a Renascença e o Iluminismo.

Principais Temas e Abordagens:

• A História da Vida Privada: O livro questiona a própria possibilidade de uma história da vida privada, dada a heterogeneidade dos valores e estados ao longo do tempo. Philippe Ariès inicia a discussão, explorando a noção de "privado" e suas variações históricas.
• Práticas de Leitura: A obra destaca a transição da leitura em voz alta para a leitura silenciosa como um marco na evolução da intimidade. A leitura silenciosa permitiu uma relação mais pessoal e individual com os textos, fomentando a reflexão solitária e a devoção mais privada. A posse de livros e a criação de bibliotecas pessoais também se tornaram sinais de uma crescente valorização da vida privada.
• Espaços de Intimidade: O livro examina como os espaços físicos, como a casa e seus cômodos, foram ressignificados na busca por privacidade. A lareira, o quarto e a "ruelle" (um espaço íntimo dentro do quarto) são analisados como locais onde a intimidade se desenvolveu, muitas vezes ligada ao amor e ao segredo.
• A Escrita do Foro Privado: A coletânea investiga como memórias, diários e "livres de raison" (livros de contas) se tornaram formas de expressão da vida privada. Esses escritos, muitas vezes destinados apenas ao próprio autor, revelam como as pessoas se percebiam e como experimentavam suas vidas.
• A Civilidade: O livro também explora a evolução dos tratados de civilidade, que buscavam regular o comportamento e as expressões do corpo. Esses tratados, desde a obra de Erasmo até as adaptações populares da "Biblioteca Azul", refletem a crescente preocupação com a aparência e as boas maneiras, tanto na esfera pública quanto na privada.
• Relações com o Livro: O livro aborda a importância crescente do livro como objeto de intimidade. Pessoas como Samuel Pepys e John Locke são mencionadas como exemplos de indivíduos que cultivavam uma relação próxima com seus livros, dedicando tempo e cuidado à sua organização e leitura.
• A Leitura em Grupo: O livro também considera a leitura em voz alta como uma prática social importante, unindo grupos de amigos e famílias em momentos de lazer e aprendizado. Essa prática, que reunia diferentes pessoas em torno de textos como romances e peças teatrais, também desempenhava um papel na vida privada e nas relações sociais.
• A Literatura e o Privado: Por fim, a obra analisa como a literatura, especialmente o romance e os diários íntimos, começou a explorar a subjetividade e a intimidade. Os autores passaram a usar o "eu" como uma forma de legitimar suas narrativas, abrindo espaço para a expressão de sentimentos e desejos pessoais.

Organização e Estrutura:

• O livro é dividido em capítulos, cada um explorando um aspecto específico da vida privada no período em questão.
• Cada capítulo é escrito por um especialista no tema, o que garante uma análise aprofundada e bem fundamentada.
• A obra inclui um sumário detalhado e um índice remissivo, facilitando a consulta e a navegação pelos diferentes temas.

Outros pontos:

• O livro é uma tradução da edição francesa original, com grafia atualizada para o português do Brasil.
• A publicação contou com o apoio de diversas instituições culturais e governamentais da França e do Brasil.
• A obra foi concebida por Philippe Ariès, que faleceu antes de sua conclusão, sendo finalizada por Roger Chartier.

Em suma, "História da Vida Privada 3: Da Renascença ao Século das Luzes" oferece um panorama abrangente e detalhado das mudanças na vida privada durante um período de grandes transformações sociais e culturais. A obra é uma leitura essencial para quem busca entender como as noções de intimidade, individualidade e privacidade foram construídas e experimentadas no passado, com muitos dos desdobramentos relevantes para o presente.